terça-feira, 31 de março de 2015

Melodia cor de laranja





    Já ouvi mil e uma músicas, já naveguei por todas as páginas dos favoritos. Já limpei a caixa do e-mail. Até já me registei naquela operadora de telefone, televisão e internet que tenho em casa - quero receber a fatura electrónica, para não cortarem mais árvores por minha causa. Será que cortam laranjeiras? Enfim. Até já remexi nas coisas antigas que tinha cá em casa. Não gosto de não conseguir começar a escrever, mas a coisa depois desenvolve bem. Acho eu. Espero eu.
    Venho aqui e abro esta página branca. Imagino duas laranjas a dançarem enquanto toca esta música. Não acho que seja a melhor melodia para imaginar duas laranjas a dançar mas acho-a sensual. A melodia. Enquanto isso, tento aprender uns passos de dança, só para desenrascar. E porque acho sensual. A melodia. E dançar com laranjas. Acho que quero mesmo muito. Estas aqui desta página branca olham muito uma para a outra, trocam olhares que só elas sabem o que significam, descascam-se por dentro, bebem o sumo uma da outra. Espremem bem, tiram os caroços, olham-se mais uma vez. Sorriem. Sabem que não são bem uma da outra, mas dançam. Dançam muito. Vão dançando. Olham-se mais uma vez e a página já está meia escrita. 

Abrem a pista de dança mais uma vez...da para a próxima vez. 


Ana Marisa 

sábado, 14 de março de 2015

Sumo dos vinte anos





    Há dias em que dá vontade apenas de fazer sumo. Pegar nas laranjas, descascá-las sem pensar muito, cortar ao meio e espremer. Num daqueles espremedores da loja dos trezentos, que eu gosto pouco de máquinas de fazer sumo. Às vezes dá-me vontade de saltar esta que dizem ser "a melhor fase da minha vida" e fazer sumo para pôr na mesa de manhã, aquela que um dia vou preparar para o meu marido e para as minahs laranjinhas. Enquanto isso improviso sumo para mim própria, enquanto me sento com os meus colegas da faculdade, a ouvir umas músicas de quando éramos putos e a comer um carbonara feito à pressão depois de um dia de aulas e trabalhos. Às vezes dá vontade apenas de fazer sumo. Quero escolher as laranjas certas, descascá-las enquanto penso muito, cortar ao meio com a melhor faca e espremer. Num daqueles espremedores da loja dos trezentos, mesmo que não tenha assim tanto tempo para isso, daqui a uns anos. Quero pôr a melhor toalha na mesa, aos Domingos, saboreá-lo com calma, com ele e com as laranjinhas. Às vezes dá vontade de saltar esta que dizem ser "a melhor fase da minha vida". Ou então sou só eu a pensar que vou deixar de ser teen daqui a uns dias e que o desejo que anunciei antes, cada vez está a ficar maior e mais perto. 

Enquanto isso o meu pai trouxe três sacos de laranjas para casa. 

Ana Marisa 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Um gomo de tangerina no meio do chão




    Enquanto caminho até à faculdade vou encontrando várias coisas no chão. Papéis, lixo, ossos - sim, ossos - e no outro dia encontrei um gomo de tangerina. Passo na escola primária todos os dias. Os miúdos saltam, gritam, brincam, cantam, choram, fazem queixinhas e cuidam da horta da escola. Reparei nas laranjeiras e nas tangerineiras, estavam carregadinhas, como diz a minha mãe. Os miúdos não comem laranjas? Não dão laranjas aos miúdos na cantina? Não fazem sumo? Pobres laranjas.
    Fiquei a pensar naquele gomo de tangerina ali sozinho, no chão, ao pé do muro da escola. Secalhar alguma miúda chamada Ana e com laranja no nome, como eu, estava a comer a tangerina, como eu, e não gostou do sabor. Eu nem sempre gosto do sabor, às vezes são amargas. Às vezes temos que mandar os gomos pela janela. Mandá-los ao ar, mandá-los passear. Mesmo que seja no recreio. Mesmo que tenhamos meia dúzia de anos. Há um tempo em que temos que mandar os gomos pela janela. Secalhar a Ana só precisava que lhe dessem sumo de laranja na cantina. Ou torta de laranja. Ou laranja. Na cantina da escola. 

Ana Marisa